O Mundo de Jack e Rose (2005) - Crítica


Em 2005, quando eu ainda sustentava menos primaveras vividas do que somam os dedos das mãos, me deparei com um cartaz em um locadora que frequentava, com o título "O Mundo de Jack e Rose". Fruto de uma mente fraca e ainda rasa, a primeira relação que criei foi com o casal de Titanic. "Será que fala sobre a vida deles caso Jack tivesse sobrevivido?", indaguei debilmente. O resto se evanesceu com as hiperatividades da época.

Quis o éter, o destino ou a aleatoriedade cinéfila, que 12 anos depois, agora com um pouco mais de experiência, que eu me lembrasse do nome após um acesso de tristeza ao lembrar que no natal, data tradicionalmente evocativa de felicidade, se marcará por nada mais, nada menos, que a aposentadoria do melhor ator surgido desde De Niro. Falo, é claro, de Daniel Day-Lewis. 

É desnecessário explicar a nula relação entre estes Jack e Rose e os vistos na película da James Cameron. Porém, se há algo há se extrair de bom nisso tudo, é a memória que perdurou da existência de tal obra, para com a poeira superior à década me fazer revisitar este peculiar e tematicamente atemporal longa, embalado, é claro, por mais um esforço absoluto de seu ator principal.

Situado no século passado, os dois nomes que encabeçam a produção possuem uma relação íntima, carinhosa e próxima. Porém, não são um par romântico, e sim pai e filha, residentes em uma ilha, isolados da civilização 

Jovem Paul Dano faz participação. Ensaio para anos depois brilhar novamente com Lewis em Sangue Negro. 
O que ocorre é que Jack é o remanescente solitário de um grupo de pessoas que, nos anos 60, auge da onda Hippie, buscou formar uma comunidade alternativa auto-sustentável e livre, destituída das luxúrias ostensivas e opressivas da modernidade, ancorados num ideal de recreação, corporativismo e naturalidade. A sociedade perfeita, antítese ao capitalismo compulsivo. 

Como tudo ruiu ao ponto de sobrarem apenas um homem e sua filha, Rose (Camilla Belle, cativante e surpreendente ao traduzir todo o processo de sua personagem na estrada entre a inocência e o descobrir do mundo além), alienada da realidade e tendo como única referência seu pai, em eterno complexo de Electra, não é explicado. Nem precisa. É o comportamento empírico de Jack que baliza a inteira discussão entre os ideais empregados por seu estilo de vida pitoresco.

Por um lado, a afeição de ambos é bela de se ver, com uma invejável convivência com a natureza, alheios aos meios de comunicação e à lavagem cerebral provocada pelo comercialismo. Entretanto, este isolamento dos problemas urbanos é realmente a solução para a vida perfeita? Se enclausurar em uma bolha microcósmica sem experimentar devidamente o mundo como se este apenas oferecesse podridão e perversão. É algo que vimos também no recente e estupendo "Capitão Fantástico". Daniel, entretanto, compõe uma versão mais conspurcada e niilista que Viggo. Sua negação ao mundo exterior é irredutível e disso sofre sua prole, ao ponto em que tudo se resumiu a amargura e ódio, onde os princípios primários de buscar uma sociedade melhor se perdeu, sendo apenas uma versão deplorável e patética, um meio de fugir das próprias falhas, sem ter de expô-las ou enfrentar a complexidade do desconhecido e imprevisível.


Tanto é, que ao reviver um cotidiano tradicional, é progressiva a incapacidade de Jack em oferecer o básico para uma convivência interpessoal com alguém minimamente diferente de si. Não há compreensão, sutileza ou paciência. Há apenas desejo, ira e egoísmo, ao perceber que nem todos são devotos e complacentes como Rose, criada a seu bel prazer como um sub-produto de si mesmo.

Talvez seja por isso que vê-la mudar, deixar o reino da inocência para adentrar à maturidade adolescente e ter seu lacre rompido, deixando de ser algo pertencente ao patriarca, que ele vê a si mesmo em outros tempos e seja sobrepujado pela realidade entre suas intenções primordiais ao que de fato discorreu de tudo. "Era pra ser algo diferente. Eu...Eu sei que era, mas não consigo lembrar", definha um decaído Jack, quando finalmente percebe o retalho de vida que habita.

É na órbita dele que todos residem. E é na sua passagem que se encontra a conclusão, por meios obscuros e tétricos, porém semelhante ao supracitado Capitão Fantástico. A perversão mundana não se corrige em fuga e solidão, mas sim em enfrentamento, autoanálise e perseverança. Não é desistindo que se encontra a felicidade.

Nota 8. 

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